sábado, 22 de junho de 2024

O Vampiro de Versalhes - Parte VI

Sobre a Vida (ou a Morte)
Normandia,  2 de março de 1883
Faz mais de um ano que deixei Paris. Eu sempre amarei essa cidade, estará sempre em meu coração, mas devo seguir em frente. Algumas vezes percebemos que o ambiente está saturado, que não há mais como respirar em determinados lugares. Não é a cidade em si, mas as pessoas que moram nela. Dentro de duas ou três gerações eu poderei voltar, quem sabe, quando todos esses moradores estiverem com a morada nas catacumbas da cidade. Simplesmente não quero ver mais essa gente. 

Aliás já parou para pensar que a maioria das pessoas que habitam suas lembranças nem existem mais? E não estou falando apenas de pessoas que morreram, mas também das pessoas que mudaram sua aparência. Sabe aquela paixão da adolescência? Esqueça! Ela é outra pessoa agora, muito provavelmente completamente mudada. As pessoas mudam. Por isso as suas lembranças são povoadas de pessoas que simplesmente não existem mais. Eis uma realidade. E nem precisa ser imortal para bem entender isso. 

Ora, daqui cem anos ninguém mais saberá quem você foi. Isso se você for uma pessoa comum e não o Alexandre, o Grande, ou o Júlio César. Esses sempre serão lembrados pela história. Mas você aí, que tem um trabalho simples, que leva uma vida bem anônima, não se engane, uma ou duas gerações após sua morte ninguém mais se lembrará que um dia você exisitu. A vida é muito efêmera, muito passageira. A maioria das pessoas, a imensa maioria dos seres humanos, não importa muito. O tempo, senhor de tudo, jogará as areias dos anos sobre suas lembranças. Nem seus parentes distantes saberão que voce um dia existiu e isso é tudo. Faça o teste. Procure se lembrar de seus antepassados de três ou quatro gerações passadas. Não vai dar... Eles foram esquecidos. Lamento. 

E não me venha com histórias envolvendo a imortalidade da alma. Isso não existe. O conceito de Alma foi inventado pelos gregos. Nem os judeus antigos, do velho testamento, sabiam o que era alma. Se algum religioso lhe ensinou o contrário, saiba que ele lhe enganou, ou por ser um picareta mesmo ou por ser um ignorante. As duas situações não são nada boas! 

O conceito de Alma é puramente filosófico. Os gregos eram mestres em filosofia, em pensamento abstrato. Então diante da efemeridade da existência eles criaram um pensamento que trouxesse algum conforto para pessoas que estavam vivendo o luto. No conceito de Alma ninguém morrerá jamais. A Alma do seu parente morto viverá para sempre! É um pensamento que reconforta, mas que também não tem base nenhuma na esfera da ciência. 

E por falar em religião as pessoas comuns pensam que os vampiros são seres religiosos que acreditam em céu e inferno, que são seguidores do Diabo e tudo mais. Que bobagem! Sabe aquela história boboca de que um vampiro sempre sairá correndo quando confrontado com uma cruz cristã? É uma grande lorota disseminada pelos livros góticos. 

Durante praticamente toda a minha existência vivi trabalhando como especialista em antiguidades, inclusive peças e obras de arte religiosas. Nunca aconteceu nada comigo, nunca me fizeram mal nenhum. Pelo contrário, sou até admirador de arte sacra, vejam só! E tomei gosto por arte antiga, tanto que continuo trabalhando como antiquário, mesmo sendo podre de rico com a fortuna da condessa russa. E você pode se perguntar porque ainda faça esse trabalho? Bom... é um hobbie dos mais agradáveis... Adoro colocar as mãos em peças antigas, estudá-las, catalogar uma coleção. Isso é cultura, é arte. Nada mais prazeroso do que lidar com esse tipo de coisa. É um dos prazeres da minha existência. 

Então tudo o que se lê nos livros e se vê nas peças teatrais é pura mentira? Nem tanto. Temos problemas com a luz solar. Eu não posso andar pelas ruas da cidade com sol a pino, no calor do meio-dia. Se eu fizer algo assim certamente vou queimar até os meus ossos virarem pó. Não sei a razão. Provavelmente o vampirismo seja alguma modificação genética causada por algum tipo de vírus. Eu não sou cientista, mas tenho vontade de estudar o tema. O problema é que a maioria dos cientistas acredita que essa coisa de vampiro é pura cultura pop, que não passa de folclore. Ninguém pode condená-los por pensar assim. Esses conceitos todos são bem absurdos, vamos ser bem sinceros nessas linhas.

E aqui entro, mesmo que brevemente, na questão alimentar. Veja, em minha existência não preciso de uma montanha de corpos humanos ao meu redor. Isso seria intolerável. Nada é mais complicado do que se livrar de um corpo humano. Pesam demais, começam rapidamente a cheirar mal. Um horror estético, devo dizer. É a parte de ser um vampiro que menos aprecio. Um único ser humano alimenta um vampiro equilibrado por cerca de 30 dias. Numa continha rápida, só preciso me alimentar 12 vezes ao ano, algo que sigo na regra, na risca, sem exageros. 

E também não gosto de caçar muito os seres humanos. Basicamente sou um oportunista da noite. Não fico fazendo emboscadas, só quando odeio minha presa. Na maioria das vezes apenas fico ciente que está chegando o dia que devo me alimentar e vou ficando mais atento com as oportunidades que a noite traz. 

Não adiante sair matando, causando caos nos lugares e cidades por onde se passa. Pelo contrário. Quando me fixo em algum lugar prefiro me alimentar na cidade vizinha ou em outras regiões. Não quero a polícia me investigando, me cercando. 

E também jamais ataco pessoas que conheci recentemente ou que se mostraram boas amigas. Não subestime o poder de uma amizade, principalmente envolvendo pessoas do interior. Você sempre vai precisar de alguma ajuda, de algum serviço. Por isso trato todas essas pessoas muito bem, de forma sincera. Não são meu alimento. São pessoas que merecem respeito e dignidade. 

Acredite em mim, no fundo eu sou um cara legal...

Maximilian,

Um comentário: